As notícias do
inesperado apagão
amazônico trazem de
volta antigas memórias
do tempo que a Amazônia
vivia à meia-luz, ou à
luz de velas... As UHEs
de Tucuruí, Samuel,
Balbina, Coaracy Nunes,
o Sistema Interligado
Nacional, a LT 500 kv
Tucuruí-Macapá-Manaus
ainda eram sonhos
distantes... As equipes
do BNDES andavam pela
região, tentando
viabilizar projetos que
não saíam do papel por
falta de energia.
Resultado: a Região
Norte era a menor
demandante de recursos
do Banco, coisa que
paradoxalmente ainda
hoje acontece, com a
agravante das queimadas
ameaçadoras.
Já faz 30, 40 anos. Zé
Benedino ainda estava na
ativa. Sempre que
viajava a serviço do
Banco, recordava os
velhos tempos, que mesmo
àquela altura já eram
velhos... Sentado na
última fileira,
corredor, fechava os
olhos e mentalmente
reconstituía como em
épocas passadas fez
parte da equipe que
viabilizou inúmeros
avais em nome do Tesouro
Nacional para que as
companhias aéreas
pudessem renovar suas
frotas, além de PROCAPs
para construir o grande
hangar do Galeão e
outras instalações, como
a cozinha de bordo, o
simulador.
“... confirme que Papa
Tango Mike Hotel Sierra
tem permissão para
decolar...”.
A voz nervosa do piloto
ecoa pela cabine envolta
em fiberglass
transparente, protegendo
o pequeno Seneca de
quatro lugares.
Retornando da Usina de
Serra da Mesa em Goiás,
o Grupo de Análise vê
cada vez mais perto o
Boeing se aproximando da
cabeceira da pista,
enquanto o Seneca nem
pensa duas vezes,
arremetendo com força
total dos motores a
hélice, deixando para
trás o Boeing, que vem
aterrissando como um
tubarão perseguindo um
peixinho.
A torre de Goiânia teria
sido bastante otimista
nas margens de
segurança, mas embora
por pouco, tudo acabou
bem... e hoje Serra da
Mesa ajuda a alimentar
Brasília com seus
quilowatts-hora, ao
mesmo tempo em que foram
preservados os últimos
membros da tribo dos Avá-canoeiros...
A partida do Rio foi
numa data inesquecível:
15 de março de 1990. Ao
chegar a Minuaçu, o GA
recebeu a notícia do
bloqueio das contas
bancárias. Graças ao
Collor, estávamos
reduzidos ao dinheiro
trazido no bolso... e no
fim do mundo.
Muitas viagens, mais
reminiscências. Zé
Benedino recorda a
viagem a Rondônia.
Projetos de estradas,
armazenamento por todo o
estado. Teriam prometido
que o avião do
governador nos levaria.
Era um imponente avião
executivo, média
capacidade, a jato. Já
estávamos nos dirigindo
a ele, quando os
assessores indicaram:
“... não é esse não, o
governador vai usar o
avião hoje; vamos com
aquele ali”.
Era pouco mais que um
teco-teco. Monomotor,
pelo menos tinha cabine
fechada. Apenas por
precaução, voava
seguindo as estradas.
Foram algumas horas de
Porto Velho a Cruzeiro
do Sul, incluindo um
sobrevoo da pista de
Ariquemes balançando as
asas, para que a partida
fosse interrompida no
campo situado no meio da
pista, e o avião pudesse
aterrisar.
Na volta, uma tempestade
tropical reduziu a
visibilidade a zero.
Ouviam-se diálogos entre
diversos aviões perdidos
no meio da chuva
procurando a pista de
Porto Velho. Naquela
época ainda não havia o
SIVAM, e o único radar
da Amazônia
encontrava-se em Manaus,
a 2 mil km de distância,
onde também estava
baseado o único
helicóptero a operar na
Amazônia. Pouco tempo
antes, havíamos recebido
a infausta notícia da
queda do jato da
Eletronorte, com vários
diretores a bordo.
Lamentavelmente, não
havia conseguido
encontrar o aeroporto em
uma situação semelhante,
ainda que tivessem sido
feitas fogueiras com
barris de óleo para
sinalizar a posição da
pista. Caiu perto da
cabeceira, já sem
combustível.
Infelizmente não houve
sobreviventes.
Em Porto Velho fomos
recebidos por uma lenda
viva – Coronel Jorge
Teixeira, Teixeirão,
governador biônico de
Rondônia – no pequeno
palácio, junto com o
Major Comandante da
PM/RO. Teixeirão fundou
o CIGS em Manaus, Centro
de Instrução de Guerra
na Selva.
Teixeirão tinha um
projeto de importar
usinas termoelétricas
compactas a óleo para
substituir o parque
existente, de unidades
obsoletas e
canibalizadas, que mal
atendiam à demanda
crescente. Era difícil a
importação naqueles
tempos da crise do
petróleo.
Até no palácio a luz era
mortiça e bruxuleante.
Teixeirão reclamava do
calor infernal de Porto
Velho, onde era proibido
ligar o ar-condicionado,
lembrando os burocratas
que a essa hora em
Brasília gozavam das
delícias dos gabinetes
refrigerados... e as
pistas de alta
velocidade iluminadas
mesmo de dia, enquanto
em Rondônia a crise
pegava forte.
Mais alguns anos e a UHE
Samuel seria inaugurada,
colocando Rondônia de
volta ao século XX. O
pescado não iria mais
estragar, o
ar-condicionado poderia
ser ligado novamente.
Tudo iria melhorar. Ah,
se eles soubessem o que
estava por vir em 2020.
As cenas do Amapá na TV
ressuscitam antigos
fantasmas. Que pelo
menos sirvam de alerta
para recordar que
devemos proteger o meio
ambiente, cultivar a
sustentabilidade,
preservar os biomas. O
BNDES tem um papel
importante nesse
cenário. Que os
espíritos protetores da
floresta iluminem nossos
caminhos e tragam a
redenção, a salvação da
Amazônia e do bravo Povo
Brasileiro, nosso único
cliente. Amém.
(*) Viveu o Sonho
Benedense de 1975 a
2011.
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