Assim caminha a humanidade... ou será a boiada?
Haroldo Cella
Empregado do BNDES
 

Desde que a história da vida humana na Terra foi dividida em antes e depois de Cristo, não há como negar que a humanidade deu passos decisivos no sentido de estabelecer padrões morais e éticos mais elevados para os princípios e valores que vieram a nortear não somente as leis de cada país, mas principalmente a conduta dos indivíduos nas diversas sociedades.

A mensagem cristã, no sentido de que os modos de pensar, falar e agir devem ser calcados no princípio de não fazer aos outros o que não queremos que façam conosco e fazer com eles o que gostaríamos que fizessem com a gente, influenciou todas as culturas a ponto de atualmente a maior parte das pessoas se escandalizar com atos de covardia e crueldade (como as execuções e atentados perpetrados por terroristas) que, na antiguidade, eram considerados normais.

Entretanto, basta observar cada ser humano de perto (afinal, como dizia Caetano, de perto ninguém é normal...) para perceber que a nossa postura, principalmente quando estamos fazendo parte de um grupo, ainda que temporariamente, é muitas vezes questionável, até por nós mesmos posteriormente. No calor da discussão, em defesa das ideias de um grupo a que pertencemos, somos às vezes tentados a deixar aflorar instintos nada cristãos, que podem nos levar a um comportamento não mais de indivíduo, mas de "massa", o que nos torna dispostos a crucificar os "Cristos" da vez, com base em acusações muitas vezes sem qualquer fundamento, resultado apenas de especulações e opiniões impensadas, mas que são capazes de levar a "massa" a clamar por "ver sangue", não importando naquele momento insano, se é o sangue de um inocente que pode estar prestes a ser derramado.

Pode-se argumentar que, tirando crianças e raros adultos que mantêm algo de puro em seus corações, não há mais inocentes e todos, de alguma forma, por algum motivo, têm "culpa no cartório". É justamente disso que se valem os acusadores da vez, agindo muitas vezes em prol de interesses financeiros de grupos compostos por pessoas que fazem parte das elites que concentram em algumas famílias boa parte da riqueza gerada pelos bilhões de seres humanos.

Diante dos avanços sociais que as modernas democracias vêm ensaiando promover, os membros dessas elites agem na maioria das vezes em segredo, mas às vezes até abertamente, para manter seu status quo a qualquer custo, movidos geralmente por princípios e valores por assim dizer pré-históricos, tais como: avareza, ganância, egoísmo e soberba.

Esses grupos atuam de forma a criar ou se utilizar das estruturas de poder já estabelecidas, sejam elas de natureza religiosa, empresarial, política, midiática ou social propriamente dita, com o objetivo de manter sistemas de dominação onde possam agir com eficácia em prol de seus interesses, os quais, via de regra, são de ordem financeira, já que, no final das contas, nesse mundo o dinheiro ocupa o centro do poder.

Infelizmente, essa elite, apesar de constituir uma minoria, é capaz de se articular de forma eficaz, unindo esforços para consolidar e mesmo expandir seu poder de controle e comando sobre boa parte das estruturas que constituem os pilares da civilização.

O próprio Cristo já havia alertado sobre isso, quando salientou que os "filhos deste mundo" (fazendo referência aos que se apegam demasiadamente aos prazeres materiais) são mais espertos e sagazes em seus negócios do que os "filhos da luz" (isto é, os que buscam agir à "luz" da verdade, da honestidade e da justiça).

E assim caminha a humanidade... ("com passos de formiga e sem vontade", como canta Lulu Santos), assistindo ao "joio" da mentira e da ambição desmedida crescer em meio ao "trigo" da sinceridade e da solidariedade, de modo que já não é possível distingui-los perfeitamente, com os frutos tóxicos do primeiro se misturando aos grãos do segundo, tanto em nível individual como em escala global.

Por isso, devemos tomar muito cuidado para não nos precipitarmos em começar a nos acusarmos, julgarmos e condenarmos mutuamente, sem primeiro buscar conhecer a verdade de cada um, que pode estar escondida sob argumentos aparentemente justos, mas que podem se revelar como sendo apenas a "ponta do iceberg" de estratagemas muito bem engendrados por interesses poderosos, que usam não somente as estruturas, mas também as pessoas para reproduzirem e disseminarem ideias, informações e discursos com o objetivo de levar as pessoas a se "posicionarem", a escolherem um "lado", como se a realidade fosse maniqueísta, como se fosse possível rotular todas as pessoas como apenas boas ou más.

O objetivo final a ser alcançado parece ser um maior e melhor controle sobre as pessoas através das "massas" a que elas aderiram quando se "posicionaram", quando aceitaram abrir mão da liberdade do pensamento racional individual, para se enquadrarem em um estereótipo grupal, com comportamento típico de "massa", facilmente manipulável e sujeito a ser conduzido para atingir os fins que interessam aos donos do poder, em detrimento, na maior parte das vezes, dos interesses dos próprios integrantes da "massa".

E não se enganem aqueles que pensam que "fazem parte dessa massa" (como dizia Zé Ramalho) somente pessoas pobres e menos esclarecidas. Na verdade, com o aperfeiçoamento dos sistemas de dominação, hoje, além das "massas" mais populares, há "massas" de todas as "castas". Basta observar, por exemplo, como, atualmente, algumas pessoas cultas e de classe média se digladiam, com comportamento típico de "massa", acusando/defendendo alguns políticos e respectivos partidos de forma quase sempre maniqueísta, como se fosse uma luta entre os "mocinhos" e os "bandidos", entre o bem e o mal.

Precisamos conversar mais e brigar menos. Precisamos dialogar como pessoas livres e sensatas ao invés de ficarmos discutindo como membros sectários de grupos fechados. Precisamos ser mais tolerantes com quem está enxergando o mesmo que nós, mas de um ponto de vista diferente. Afinal, todos queremos o melhor, não só para nós mesmos e nossas famílias, como para o nosso país. Só precisamos de um pouco mais de calma, humildade e paciência para não ficarmos perdendo tempo em discussões inúteis sobre o que nos "vendem" como sendo o melhor. Vamos discutir mais ideias e menos pessoas. Vamos manter a gentileza enquanto expomos nossos pontos de vista para não faltarmos com o respeito para com nossos semelhantes, que, assim como nós, também gostam de ser respeitados. Vamos ser mais gente e menos "gado", valeu?

 
 

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