Editorial

Edição nº1359 – quinta-feira, 22 de agosto de 2019

"Explicar" = alimentar o mito da "caixa-preta"?

A uma semana do prazo para o presidente "explicar" a "caixa-preta" do BNDES, já tivemos alguns vislumbres do que vem por aí. Tivemos quatro episódios de antecipação. O primeiro foi a péssima conversa com o senador Álvaro Dias, já analisada em editorial passado. As teorias do senador sobre o BNDES são absurdas, ridículas. Posar ao seu lado sem fazer qualquer reparo a suas histórias, significou apenas dar respaldo ao discurso demagogo e conservador do parlamentar. Ainda tivemos uma série de comentários infelizes sobre o "fim da privacidade", como se fosse algo positivo ou inexorável o apoio à proposta destrambelhada de dar fim a qualquer sigilo bancário no caso de empréstimos com base em recursos públicos etc.

O segundo episódio foi a publicidade do erro operacional no caso da operação JBS-Swift, que também exploramos aqui no VÍNCULO. Ainda veremos o resultado dessa estratégia de bater bumbo sobre um erro operacional que dois presidentes anteriores já tinham tomado conhecimento e não acharam justificativa para dele fazer alarde. Qual o sentido em dar grande publicidade ao que foi detectado pelo próprio BNDES, informado aos órgãos de controle e considerado por uma sindicância interna como erro operacional? Ainda mais numa divulgação que diz tratar-se de erro operacional, para em seguida informar que não é possível afirmar se houve dolo ou não... Faz algum sentido?

O último episódio do "explicando" a "caixa-preta" é a história dos jatinhos. Seguramente, a mais constrangedora. O uso sem qualquer disfarce do controle da máquina do BNDES para atender a demandas eleitorais do atual presidente da República talvez seja inédito. Assim como no caso da JBS-Swift, a informação divulgada sem a explicação do devido contexto parece ser a fórmula mágica para conseguir o que parecia ser impossível: atender à demanda das lives do presidente e não falar inverdades. Infelizmente, todos sabem o resultado disso: meias verdades podem ser mais danosas que puras mentiras.

A divulgação dos compradores dos jatinhos sem nenhum contexto sugere que o objetivo do programa era sustentar o consumo de luxo de alguns milionários (os "amigos do rei").

Apenas o grupo formado pelos mais ingênuos, aqueles que querem ascender na carreira a qualquer custo e os mais fanatizados apoiadores do atual governo vão achar possível que esse tipo de divulgação – que distorce por completo o propósito das políticas públicas nas quais o Banco esteve envolvido – pode ser a forma correta de melhorar a imagem do Banco. Ora, tivesse sido verdade que seus empregados toparam tocar uma política com o propósito principal de atender milionários com aviões executivos, o Banco deveria ser fechado!

Nenhum funcionário do BNDES trabalhou em políticas públicas com esse tipo de justificativa. A lógica dessas políticas tem que ser devidamente apresentada para ser em seguida debatida, defendida ou atacada. Ao apresentar de forma completamente distorcida a política que levou ao financiamento de jatos executivos, o presidente Montezano afunda na lama o nome da instituição em que trabalhamos.

Isso mereceria o uso do termo "explicação" para uma nova abordagem. Vamos dar um exemplo. O atual governo é completamente contra a política de estímulo de investimento e demanda. Acredita nos poderes do efeito da confiança derivados de reformas ultraliberais para que a economia retome uma trajetória de crescimento. Assumindo e desenvolvendo a lógica dessa visão de economia, poder-se-ia abordar a suposta futilidade de esforços como o do PSI para manter o nível de atividade da economia. E, então, criticar as políticas adotadas pelo Banco, as prioridades escolhidas etc. Aqui haveria espaço para debate verdadeiro entre visões de economia.

É claro que essa abordagem não atenderia de forma alguma a demanda de Brasília para continuar fazendo do BNDES plataforma de uma campanha política permanente.

Está o presidente Montezano plenamente consciente do papel que está cumprindo?

Ainda há tempo para mudar a abordagem que tem sido dada ao tema da "caixa-preta". Os compromissos políticos e mesmo uma visão inicial sobre um problema não podem prevalecer sobre evidências, sobre a verdade.

Seria um ato mínimo de compromisso com os fatos mais básicos se o presidente Montesano deixasse claro que os valores de desembolso para exportação de bens e serviços de engenharia, constantemente repetidos pelo presidente da República, são completamente falsos. A realidade dos desembolsos é de que esses estão na casa dos US$ 10 bilhões (em 20 anos), e o presidente em suas lives fala em US$ 500 bilhões supostamente durante os anos petistas.

A AFBNDES acompanha há três anos as diversas denúncias sobre a "caixa-preta" do BNDES. O presidente está estudando o tema há pouco mais de um mês. Gostaríamos de participar do evento de esclarecimento e ter a oportunidade de, democraticamente, debater as evidências e as interpretações elaboradas pelo executivo e sua equipe.

 

 

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Seminário sobre imprensa, democracia e história

A OAB/RJ, com o apoio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), está realizando o seminário “Imprensa, democracia e história – da abertura política ao governo Bolsonaro”. O tema do próximo dia 28 será “A liberdade de imprensa está em risco?”, com o jornalista Jânio de Freitas, colunista da Folha de S. Paulo.

Em 4 de setembro, último dia do seminário, haverá debate sobre “Novas vozes na imprensa – ação e reação”, com a jornalista Flávia Oliveira, colunista de O Globo e comentarista de economia na GloboNews e CBN Rio, e Carol Oms, jornalista de economia e diretora-executiva da Revista AzMina.

As palestras são realizadas às 17h, no Plenário Evandro Lins e Silva, localizado na Av. Marechal Câmara 150, 4º andar.