Este é o pano de fundo
da tragédia brasileira.
Quem pretender avaliar a
atual conjuntura
político econômica,
tendências, contradições
de nossa crise enquanto
sociedade, sem partir
daí, dessa iniquidade,
se perderá num labirinto
metafísico de
conjecturas. Cresce a
narrativa de que estamos
presenciando uma onda
conservadora. Apesar das
quatro vitórias
eleitorais consecutivas
do PT, a tendência
conservadora da maioria
da população brasileira
teria aflorado: um país
essencialmente
reacionário estaria
"saindo do armário".
Nossa formação histórica
corrobora para esta
tese. Somos, destarte,
um país de tradição
patriarcal,
escravocrata, católico,
extremamente desigual de
todo e sempre, de cujo
âmago não poderia brotar
uma sociedade não
conservadora de cabo a
rabo. O Brasil profundo
é conservador; embora o
senso comum permita a
convivência
contraditória de valores
conservadores com outros
mais atualizados.
O que se poderia chamar
de ação política
progressista, aqui no
Brasil, deve-se, em
grande parte, ao
trabalho de base da
esquerda católica, via
Teologia da Libertação,
a partir da Conferência
Episcopal de Medellín,
Colômbia, em1968. Essa
organização católica de
base foi,
paulatinamente,
desmontada sob o papado
de João Paulo II. Foi
feita a terraplenagem
para o avanço dos cultos
pentecostais, muitos
deles explorando temas
ligados ao ideário
conservador –
como os combates ao
feminismo, ao movimento
gay, à diversidade
religiosa etc. O sempre
presente discurso de
combate à corrupção, tão
ao gosto da classe
média, completa a lista
de temáticas
mobilizadoras da opinião
pública. No âmbito da
representação político
partidária, o desgaste
da esquerda mais
volumosa (PT, PCdoB,
PDT) aumentou o fluxo de
água pro moinho
conservador.
Alguns analistas do
campo da esquerda
costumam citar o
filósofo Antonio Gramsci
(1891-1937) ao apontar o
senso comum como
repositório de valores
conservadores; de
direita, por assim
dizer. No entanto,
Gramsci caracteriza o
senso comum não por ser
um conjunto coerente de
crenças ou um programa
consistente de
princípios, mas justo
pela sua incoerência,
ele, o senso comum,
reúne ideias
contraditórias: desejo
por serviços públicos de
qualidade e a diminuição
da carga tributária e do
gasto com políticas
públicas; o moralismo em
relação à sexualidade,
convivendo com a defesa
das liberdades
individuais – direito de
cada um fazer o que
quiser; apologia da
educação e redução do
ensino público e
gratuito.
Todavia, a mesma
sociedade envolta em
princípios conservadores
sofre tensões
desencadeadoras de
anseios por mudanças. A
desigualdade social
apontada pelo relatório
da Oxfam, referendada
pela onda de violência
urbana e rural, não
encontra solução de
longo prazo no modelo
neoliberal de Estado
mínimo, flexibilização (precarização)
das relações
trabalhistas, perda de
direitos sociais, ajuste
fiscal apresentado pela
linha
liberal/conservadora;
pelo contrário, é por
ele agravada ao extremo.
Por trás do movimento
político partidário que
desaguou no impedimento
de Dilma Rousseff e toda
onda conservadora
emergente não estavam as
contradições do senso
comum; ou melhor, não
eram elas o fator
determinante do golpe
político desencadeado,
mas a viabilização
política para
implantação do projeto
neoliberal no país,
materializado por duas
reformas básicas: a
trabalhista e a da
Previdência. Outras
ações provenientes do
campo da reação política
só servem de reforço
ideológico para essas
duas citadas; o que não
significa serem elas
algo desprezível na luta
política. Não, o
fenômeno da ideologia
fornece forças materiais
formidáveis na condução
do sempre paradoxal
senso comum. É
combustível para
mobilização de corações
e mentes.
Para começarmos a
entender o atual
imbróglio brasileiro,
necessitaríamos
aprofundar diversos
temas e introduzir
outros, como a variável
geopolítica
internacional, mas nos
afastaríamos do simples
desabafo deste pequeno
artigo. Mas a leitura do
relatório da Oxfam sobre
a desigualdade social no
Brasil é bom começo pros
interessados no assunto.
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