A nova velha direita
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fernando garcia

Celso Evaristo Silva
Empregado do BNDES.
 

"Na verdade, tem havido, sim, uma luta de classes nos últimos 20 anos, e a minha classe venceu. Nós é que tivemos nossos impostos reduzidos significativamente" –

Warren Buffett, bilionário norte-americano

Certa vez, o sociólogo Luiz Werneck Vianna – ex-filiado ao PCB – afirmou que seria bom para democracia brasileira se a direita tivesse um partido que a representasse de verdade, assumisse sem subterfúgios nem delongas suas teses. Segundo ele, isso seria bom até mesmo para as forças mais à esquerda do espectro político, pois traria maior nitidez ao debate e clareza na hora do eleitor votar, aumentando a transparência sobre o quem é quem na política brasileira. A tese é útil desde que assumida pelos atores políticos das diversas colorações. O leitor poderá disparar: "Esse negócio de direita/esquerda tá superado"; "O que diferencia uma coisa da outra?"; "O que é ser de direita ou de esquerda?". Calma, gente, calma! Vamos por partes. Em geral, a turma da esquerda considera a dualidade ainda necessária para a leitura da realidade social. Esse já seria um dos critérios para distinguir-se uma tendência da outra, ao menos no caso brasileiro. Por que frisar nosso país? Simplesmente porque, por aqui, ser de direita ou de esquerda remete ao apoio ou oposição ao golpe civil-militar de 1964 e ao regime autocrático implantado em decorrência dele. O uruguaio René Dreifuss (1945-2003) descreve esse acontecimento histórico no seu primoroso livro 1964 A conquista do Estado.

Em outros países, como França, Espanha e EUA, esse acabrunhamento da direita não existe de forma tão marcante. Durante a 2ª Guerra Mundial, apesar de boa parte da direita francesa ter fechado com os nazistas na constituição do governo colaboracionista de Vichy, muitos conservadores e nacionalistas, inspirados por Charles de Gaulle (1890-1970), recusaram-se a fazê-lo retirando-se da vida pública, emigrando ou entrando para a Resistência Francesa a fim de lutar junto com comunistas, socialistas e democratas pela libertação do país. Essa divisão pretérita no campo da direita francesa pode ter ajudado, no presente, ultradireitistas como Marine Le Pen e sua Frente Nacional, bem como outros segmentos da centro-direita francesa, a não terem vergonha de assumir suas posições políticas.

Na Espanha, uma atroz guerra civil marcou a vida nacional de tal forma que os espanhóis nunca tiveram dúvidas sobre as diferenças político/ideológicas e culturais que os separavam, nem comedimento de expô-las. De um lado, falangistas de Franco, monarquistas e católicos conservadores se contrapunham a comunistas, anarquistas e republicanos, de outro. As feridas cicatrizaram, a convivência tornou-se possível pela democracia; as diferenças foram mantidas.

O pré-candidato republicano à sucessão de Obama, Ted Cruz, pertencente à ala ultra do partido conhecida como Tea Party, não cansa de chamar a si próprio de conservador radical. Left and Right, liberal and conservative, são posições nítidas, não só na política, mas no dia a dia da sociedade norte-americana. Lembrando sempre a diferença entre ser liberal nos EUA e no Brasil. Lá, o termo quase se confunde com esquerda, enquanto no Brasil, liberal significa, basicamente, ser adepto dos princípios e práticas do liberalismo econômico.

Um político ou ativista norte-americano (de direita ou de esquerda) que não explicite seus valores morais e seu posicionamento quanto aos papéis do estado e do mercado perde o respeito da coletividade, embora o eleitorado centrista (que no Brasil e na Europa seria considerado de centro-direita), a chamada ‘maioria silenciosa’, seja o real definidor das eleições nos EUA.

Uma pausa. Na verdade, dicotomias tendem ao reducionismo. São esquemáticas demais para servir de instrumento único de análise da complexidade dos fenômenos sociais. A realidade não possui só vários tons de cinza; mas também de vermelho, verde, amarelo etc, etc, etc. Quem se interessar por compreender melhor esses fenômenos deverá ir além do maniqueísmo empobrecedor. Essa constatação não suprime a validade do dualismo direita versus esquerda como uma das ferramentas de análise política.

Feita a observação, voltemos à questão, focando o caso brasileiro. Por conta do envolvimento com o movimento de 1964, por ter sido ela mesma a essência do regime, a direita brasileira teve durante décadas reservas de se apresentar como direita, criando sempre uma cortina de fumaça por meio de contorcionismos eufemísticos para encobrir seus reais objetivos e interesses. Destarte, a desigualdade social do país não facilita a emergência de discursos com viés liberal/conservador. Porém, essa atitude está mudando – allegro, ma non troppo.

Um bom exemplo dessa mudança temperada com timidez pode ser encontrado na entrevista de Rogério Chequer, porta-voz do grupo Vem pra Rua, no programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, em 23/03/15.

Diferentemente de outros líderes dos grupos organizadores e mobilizadores das passeatas do dia 15 de março, como Os Revoltados, Movimento Brasil Livre etc., o representante do Vem pra Rua relutou em assumir a tendência política do grupo ao qual pertence. Quando um dos entrevistadores quis saber se o Vem pra Rua era de direita ou de esquerda, ele saiu pela tangente: ". . .essa discussão do que é direita ou esquerda não é rápida; exige tempo"; e arrematou com um clichê do discurso neoliberal: "O que existe não é direita e esquerda, mas um Estado forte de um lado, que inibe as iniciativas individuais, composto por gente de esquerda e direita e de outras pessoas – empresários, trabalhadores, estudantes que pagam impostos. . .".

Como saiu pela tangente quando o assunto foi financiamento e contabilização dos gastos do grupo (origem e aplicação do dinheiro). Convenhamos não ser essa uma atitude que se coadune com a transparência com os gastos públicos cobrada do governo federal – um pouco na linha do "Faça o que digo, mas não faça o que eu faço."

Perguntado se o Vem pra Rua faria cobranças aos governos estaduais e municipais também, a resposta foi que o grupo não tinha condições para atuar em todas as frentes, por isso focava no questionamento ao governo Dilma.

Seguindo na entrevista, Chequer anuncia, entre um maneirismo e outro, o epíteto do Vem pra Rua: "Nós somos caçadores de pizza", referindo-se ao processo investigativo da operação Lava Jato e seus desdobramentos. Alguém se lembrou da expressão "Caçador de marajás"?

Bem, resumo da ópera: de novo, de fato, fica o registro da forma eficaz de mobilização da classe média via redes sociais. Quanto ao conteúdo, nada além do moralismo da velha direita udenista de Carlos Lacerda (1914-1977), temperado com pitadas de Estado mínimo e liberdade total de mercado by New American Right.

 
 

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