"Na verdade, tem
havido, sim, uma
luta de classes
nos últimos 20
anos, e a minha
classe venceu.
Nós é que
tivemos nossos
impostos
reduzidos
significativamente"
–
Warren Buffett,
bilionário
norte-americano
Certa
vez, o sociólogo
Luiz Werneck
Vianna –
ex-filiado ao
PCB – afirmou
que seria bom
para democracia
brasileira se a
direita tivesse
um partido que a
representasse de
verdade,
assumisse sem
subterfúgios nem
delongas suas
teses. Segundo
ele, isso seria
bom até mesmo
para as forças
mais à esquerda
do espectro
político, pois
traria maior
nitidez ao
debate e clareza
na hora do
eleitor votar,
aumentando a
transparência
sobre o quem é
quem na política
brasileira. A
tese é útil
desde que
assumida pelos
atores políticos
das diversas
colorações. O
leitor poderá
disparar: "Esse
negócio de
direita/esquerda
tá superado";
"O que
diferencia uma
coisa da
outra?"; "O que
é ser de direita
ou de esquerda?".
Calma, gente,
calma! Vamos por
partes. Em
geral, a turma
da esquerda
considera a
dualidade ainda
necessária para
a leitura da
realidade
social. Esse já
seria um dos
critérios para
distinguir-se
uma tendência da
outra, ao menos
no caso
brasileiro. Por
que frisar nosso
país?
Simplesmente
porque, por
aqui, ser de
direita ou de
esquerda remete
ao apoio ou
oposição ao
golpe
civil-militar de
1964 e ao regime
autocrático
implantado em
decorrência
dele. O uruguaio
René Dreifuss
(1945-2003)
descreve esse
acontecimento
histórico no seu
primoroso livro
1964 –
A conquista do
Estado.
Em outros
países, como
França, Espanha
e EUA, esse
acabrunhamento
da direita não
existe de forma
tão marcante.
Durante a 2ª
Guerra Mundial,
apesar de boa
parte da direita
francesa ter
fechado com os
nazistas na
constituição do
governo
colaboracionista
de Vichy, muitos
conservadores e
nacionalistas,
inspirados por
Charles de
Gaulle
(1890-1970),
recusaram-se a
fazê-lo
retirando-se da
vida pública,
emigrando ou
entrando para a
Resistência
Francesa a fim
de lutar junto
com comunistas,
socialistas e
democratas pela
libertação do
país. Essa
divisão
pretérita no
campo da direita
francesa pode
ter ajudado, no
presente,
ultradireitistas
como Marine Le
Pen e sua Frente
Nacional, bem
como outros
segmentos da
centro-direita
francesa, a não
terem vergonha
de assumir suas
posições
políticas.
Na Espanha, uma
atroz guerra
civil marcou a
vida nacional de
tal forma que os
espanhóis nunca
tiveram dúvidas
sobre as
diferenças
político/ideológicas
e culturais que
os separavam,
nem comedimento
de expô-las. De
um lado,
falangistas de
Franco,
monarquistas e
católicos
conservadores se
contrapunham a
comunistas,
anarquistas e
republicanos, de
outro. As
feridas
cicatrizaram, a
convivência
tornou-se
possível pela
democracia; as
diferenças foram
mantidas.
O pré-candidato
republicano à
sucessão de
Obama, Ted Cruz,
pertencente à
ala ultra do
partido
conhecida como
Tea Party,
não cansa de
chamar a si
próprio de
conservador
radical. Left
and Right,
liberal and
conservative,
são posições
nítidas, não só
na política, mas
no dia a dia da
sociedade
norte-americana.
Lembrando sempre
a diferença
entre ser
liberal nos EUA
e no Brasil. Lá,
o termo quase se
confunde com
esquerda,
enquanto no
Brasil, liberal
significa,
basicamente, ser
adepto dos
princípios e
práticas do
liberalismo
econômico.
Um político ou
ativista
norte-americano
(de direita ou
de esquerda) que
não explicite
seus valores
morais e seu
posicionamento
quanto aos
papéis do estado
e do mercado
perde o respeito
da coletividade,
embora o
eleitorado
centrista (que
no Brasil e na
Europa seria
considerado de
centro-direita),
a chamada
‘maioria
silenciosa’,
seja o real
definidor das
eleições nos
EUA.
Uma pausa. Na
verdade,
dicotomias
tendem ao
reducionismo.
São esquemáticas
demais para
servir de
instrumento
único de análise
da complexidade
dos fenômenos
sociais. A
realidade não
possui só vários
tons de cinza;
mas também de
vermelho, verde,
amarelo etc, etc,
etc. Quem se
interessar por
compreender
melhor esses
fenômenos deverá
ir além do
maniqueísmo
empobrecedor.
Essa constatação
não suprime a
validade do
dualismo direita
versus
esquerda como
uma das
ferramentas de
análise
política.
Feita a
observação,
voltemos à
questão, focando
o caso
brasileiro. Por
conta do
envolvimento com
o movimento de
1964, por ter
sido ela mesma a
essência do
regime, a
direita
brasileira teve
durante décadas
reservas de se
apresentar como
direita, criando
sempre uma
cortina de
fumaça por meio
de
contorcionismos
eufemísticos
para encobrir
seus reais
objetivos e
interesses.
Destarte, a
desigualdade
social do país
não facilita a
emergência de
discursos com
viés
liberal/conservador.
Porém, essa
atitude está
mudando –
allegro,
ma non troppo.
Um bom exemplo
dessa mudança
temperada com
timidez pode ser
encontrado na
entrevista de
Rogério Chequer,
porta-voz do
grupo Vem pra
Rua, no
programa Roda
Viva, da
TV Cultura
de São Paulo, em
23/03/15.
Diferentemente
de outros
líderes dos
grupos
organizadores e
mobilizadores
das passeatas do
dia 15 de março,
como Os
Revoltados,
Movimento
Brasil Livre
etc., o
representante do
Vem pra Rua
relutou em
assumir a
tendência
política do
grupo ao qual
pertence. Quando
um dos
entrevistadores
quis saber se o
Vem pra Rua
era de direita
ou de esquerda,
ele saiu pela
tangente: ". .
.essa discussão
do que é direita
ou esquerda não
é rápida; exige
tempo"; e
arrematou com um
clichê do
discurso
neoliberal:
"O que
existe não é
direita e
esquerda, mas um
Estado forte de
um lado, que
inibe as
iniciativas
individuais,
composto por
gente de
esquerda e
direita e de
outras pessoas –
empresários,
trabalhadores,
estudantes que
pagam impostos.
. .".
Como saiu pela
tangente quando
o assunto foi
financiamento e
contabilização
dos gastos do
grupo (origem e
aplicação do
dinheiro).
Convenhamos não
ser essa uma
atitude que se
coadune com a
transparência
com os gastos
públicos cobrada
do governo
federal – um
pouco na linha
do
"Faça o que
digo, mas não
faça o que eu
faço."
Perguntado se o
Vem pra Rua
faria cobranças
aos governos
estaduais e
municipais
também, a
resposta foi que
o grupo não
tinha condições
para atuar em
todas as
frentes, por
isso focava no
questionamento
ao governo
Dilma.
Seguindo na
entrevista,
Chequer anuncia,
entre um
maneirismo e
outro, o epíteto
do Vem pra
Rua: "Nós
somos caçadores
de pizza",
referindo-se ao
processo
investigativo da
operação Lava
Jato e seus
desdobramentos.
Alguém se
lembrou da
expressão
"Caçador de
marajás"?
Bem, resumo da
ópera: de novo,
de fato, fica o
registro da
forma eficaz de
mobilização da
classe média via
redes sociais.
Quanto ao
conteúdo, nada
além do
moralismo da
velha direita
udenista de
Carlos Lacerda
(1914-1977),
temperado com
pitadas de
Estado mínimo e
liberdade total
de mercado by
New American
Right.